domingo, 11 de maio de 2008

Era uma vez ... um doutorzinho racista

Perfeito, esse é o único adjetivo com o qual podemos descrever as atitudes, falas e silêncios que o coordenador do curso de Medicina da UFBA (Universidade Federal) nos presenteou ao comentar o resultado do ENADE (Exame de Desempenho dos Estudantes), que bom que mais e mais baianos e brasileiros estão assumindo o que de fato pensam sobre o povo baiano. Isso é muito bom por não nos deixar dúvida sobre o que pensa essa elite sobre os baianos. Espero que este DOUTOR seja um bom exemplo para que os outros RACISTAS também saiam dos seus armários transparentes e mostrem realmente o que pensam pelo menos para aqueles que ainda preferem viver na fantasia da democracia racial, para as pessoas que sentem na pele, no olhar, nos gestos, o desdenho, as expressões de nojo, o olhar de superioridade, o gesto que afasta, para estas pessoas os racistas jamais se esconderam.

O bom de tudo isso é que o doutorzinho só reafirmou uma histórica trajetória de racismo nas instituições públicas e a prática de exclusão dos negros dos seus espaços. Mais interessante ainda é que a fala do “médico” pode ser deslocada para um período entre o fim do século 19 e início do século 20, nesse período muitos intelectuais brasileiros tentavam explicar a suposta inferioridade dos brasileiros, a não inserção dos brasileiros no mundo dos civilizados. Esses intelectuais chegaram a conclusão de que a responsabilidade pela inferioridade do Brasil era do negro e o mestiço era o inferior por excelência, era o degenerado, era selvagem, era violento e que possuía “Quociente de Inteligência inferior” e que “só toca o berimbau porque só tem uma corda”. Para Silvio Romero, a raça “ariana, ao reunir-se no Brasil com negros e com índios, proporcionou a formação de uma sub-raça mestiça e crioula, distincta da Europa”.[1]

Vejamos o que Claude Ferrere, uma articulista do Diário da Bahia em 1929 afirmava sobre os negros e sua capacidade de aprender. Não é que 79 anos depois ainda tem “gente” que busca informações nas velhas ciências racistas.

a raça negra é muito inferior á raça européia. Os negros tornam-se homens muito cêdo, mas o seu desenvolvimento pára também muito cedo. Estudei muito esta questão nas escolas da África. Um menino negro de 6 anos, é tão adiantado como um branco de dez anos. Na escola, os negros são os melhores alunos... mas quando chegam aos quinze ou dezesseis anos o seu desenvolvimento se detem e não se nota mais progresso. O seu pensamento é simplista, a sua philosophia, a sua arte e a sua literatura são muito primitivas. É possível que sejam superiores aos brancos sob o ponto de vista das forças physicas, mas isso não é tudo. Não apresentam perigo algum e não são adversários dos brancos. A questão é muito importante, pois vivemos em um século em que se discute muito sobre a igualdade dos povos e das raças.[2]

Quando um “médico”, coordenador de um curso de Medicina, numa Universidade, uma Universidade Pública, afirma que os baianos não são inteligentes ele reflete o pensamento não só das elites baianas, mas das elites brasileiras que acreditam piamente que são inferiores a europeus e norte-americanos e os responsáveis por isso são os negros e os mestiços.

É bom que mais e mais racistas se assumam, que reivindique a superioridade dos brancos. Dessa forma os nossos inimigos ganham melhores contornos e teremos menos dúvidas de quem acertar. Nessa guerra as maiores baixas estão do nosso lado, e estão nos presídios, nos cemitérios, nos hospitais públicos que mata os nossos, nos postos de saúde, nas escolas públicas, somos nós mulheres negras, os nossos jovens e as nossas crianças.

Por Acotirene, Dandara, Luiza, Lélia, Rosa, Marias, Anas, Joanas, Antonias e tantas outras lutadoras e lutadores que morreram lutando por uma sociedade mais justa. Por elas e por nós.

Cauô Cabiêsilê

Meire Reis


[1] Diario de Noticias, 16/12/1910, P.7.

[2] Diario da Bahia 23/07/1929 p. 1.

Um comentário:

Anônimo disse...

Boa matéria. Acho que foi o melhor artigo que li sobre este assunto. Bem esclarecedor, historicamente e atual.