100 anos de 8 de Março


LAMENTÁVEL RETROCESSO

Texto de Maria Helena Souza*

O Ministro Vanucchi, da Secretaria Nacional de Direitos Humanos anunciou modificações no III PNDH – Plano Nacional de Direitos Humanos, alterando Decreto Presidencial que o instituiu. Se cumprir o que anuncia estará jogando no lixo sonhos de aprofundamento democrático, legitimamente depositados no atual Governo.
Vejamos por que: O III PNDH resulta de iniciativa do próprio governo, que convocou, por decreto presidencial, a sociedade civil e as entidades governamentais de todo o país a realizarem conferências setoriais, num processo que se desenvolve nos estados e municípios a partir de decretos dos seus governantes. Foram 50 conferências nacionais, com a participação de governos (em todas as esferas) e sociedade civil, obedecendo a critérios e procedimentos que asseguram ampla convocação e publicidade e estimulam a manifestação livre de qualquer cidadão (ã), independente de pertencer ou não a organizações.
São momentos singulares de participação plural, reflexão coletiva e construção de grandes consensos sobre as diretrizes que devem nortear as políticas públicas. Órgãos de governo, universidades e a diversidade de organizações da sociedade civil, e inclui segmentos que dependem dos serviços e das decisões afetas à área pública.
Não cabe ao governo, que promoveu, regulamentou e organizou tais conferências, fazer supressões nos conteúdos de um Plano, que é resultado previsto e planejado desse processo e que o próprio Presidente assinou, junto com seus ministros.
Os segmentos que pressionam o governo para mudar o conteúdo do Plano não surpreendem. Destaco a alta hierarquia da Igreja Católica, que quer suprimir dispositivos que ampliam direitos sobre o exercício da sexualidade e da reprodução e os que afirmam o caráter laico do Estado Brasileiro. São contra o apoio ao projeto de lei que descriminaliza o aborto; a proibição da ostentação de símbolos religiosos em prédios públicos; a legalização das uniões homoafetivas, e a adoção de crianças por famílias homoparentais.
São as forças responsáveis pelas pressões que fizeram com que o divórcio tramitasse 40 anos no Congresso até ser aprovado; que se opõem ao uso da camisinha, da pílula do dia seguinte, herdeiros dos que, em outros tempos, se manifestaram contrários a igualar em direitos os filhos nascidos fora do matrimônio; que pressionaram o Supremo Tribunal para impedir as pesquisas com células-tronco e pressionam para obrigar as mulheres a levarem adiante a gravidez de fetos anencéfalos. São deles projetos que tramitam no Congresso para impedir a interrupção da gravidez em qualquer hipótese, mesmo em casos de estupro.
Vivemos um momento confuso no Brasil, no que concerne à participação democrática autêntica e organizada da sociedade civil, que parece estar em declínio. Segmentos, antes muito atuantes, estão silenciados. Vemos, com freqüência, a democracia representativa, que não pode prescindir do exercício ativo da cidadania por parte das organizações autônomas da sociedade civil, corroborando para fortalecer o que já se tornou senso comum da conduta quando nos referimos à Política e aos nossos políticos: descrença, zombaria, o que é também uma atitude “política” que só alimenta a ascensão de representantes de interesses dissociados das necessidades e aspirações maiores da coletividade.
Nesse contexto, instrumentos como os conselhos setoriais e as conferências tornam-se mais importantes, como canais de participação democrática, estimuladores do livre debate sobre as políticas públicas.
Nós mulheres, que somos mais de 50% da população e o segmento mais sub-representado no Poder, junto com todos os que lutam por justiça social e democracia, temos a esperança de que o Governo mantenha sem alterações o conteúdo do III PNDH e encaminhe projetos de lei que garantam a sua realização, articulando apoios para a aprovação destes projetos honrando as Convenções e Tratados Internacionais de Direitos Humanos que assinou desde os anos 80 (instrumentos com que têm força de Lei pela Constituição). Do contrário será sim, lamentavelmente, o principal responsável por um retrocesso covarde e perigoso, com a deslegitimação de canais de participação democrática tão duramente conquistados.

*Maria Helena Souza – Feminista, Professora de História, membro do IMAIS, da Rede Nacional Feminista de Direitos Sexuais e Reprodutivos – Regional Bahia ,e da Frente Nacional pelo Fim da Criminalização das Mulheres e pela Legalização do Aborto.
FONTE: http://www.oferraodohumor.com/

 

DO CAJADO DE PEDRO PARA O CADUCEU DE ESCULÁPIO: DA TUTELA ECLESIAL PARA A TUTELA MÉDICA.


 Vamos analisar duas notícias:
 A primeira refere-se às estratégias da igreja católica para se defender das evidências de pedofilia e abuso sexual:
 "Muitos psicólogos e psiquiatras demonstraram que não há relação entre celibato e pedofilia, mas muitos outros demonstraram que há entre homossexualidade e pedofilia", disse o cardeal Tarcisio Bertone, secretário de Estado do Vaticano, em entrevista coletiva em Santiago reproduzida por agências de notícias (Folha de São Paulo, 13 de abril de 2010).
  A segunda, o recuo em relação à condenação do aborto em meninas abusadas:
 “Há cerca de um ano, quando outra menina, de 9 anos, também vítima de abuso, passou pelo mesmo procedimento, o então arcebispo de Olinda e Recife, dom José Cardoso, foi contra - os médicos do Cisam e a mãe da vítima acabaram excomungados pela Igreja.
 Sucessor de dom José, dom Fernando Saburido declarou-se "triste", mas disse que a decisão é dos pais. "Se há um consenso médico de que a vida da mãe corre risco, o aborto é algo a ser considerado." D. Fernando disse, porém, que a Igreja é contra o procedimento. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo. (11 de abril de 2010, agência Estado)
 Em ambos os eventos, assistimos a passagem do poder eclesial para as esclarecidas mãos do poder médico.
 Avançamos? Ou não passamos de ovelhas assistindo a troca do cajado de Pedro para o caduceu de Mercúrio, símbolo do poder médico de Esculápio?
 Merece uma reflexão: os “direitos reprodutivos” -contracepção, parto e aborto,- são atos médicos, exclusivos dos médicos, conforme  foi aprovado pela Câmara e está para ser consagrado pelo Senado.
 Lembremos que desde o século XVIII a “ciência” vem disputando o controle dos corpos das mulheres com a igreja.  E, assim como viam os padres, a maioria das mulheres vê os médicos como seus aliados.
 O corregedor do Conselho Regional de Medicina de São Paulo afirmou recentemente que “o parto é um ato médico”.
Esse mesmo conselho não cassou o diploma do estuprador Roger Abdelmassih, mesmo sendo denunciado por mais de 40 mulheres e depois de ficar preso por meses (saiu via Gilmar Mendes, outro poder patriarcal).
 Os padres não podem mais estuprar impunemente. Só os médicos. O estupro também é um “ato médico”. E a velha igreja pode acionar alguns “cientistas” para de novo tornar patológica a homossexualidade.
 Como se sabe, “cientistas” têm patrões. Mas nunca patroas, como sabemos também.

Ana Reis


Séculos de resistência feminista, negra, indígena e popular

Coletivo de Mulheres da APS

Há séculos ativistas do movimento feminista e do movimento de mulheres têm lutado contra as ideologias machistas que historicamente tem atuado no sentido de tentar naturalizar processos históricos e sociais que reafirmam uma suposta inferioridade das mulheres com relação aos homens. As mulheres têm lutado contra as relações de dominação cujo foco seja de ordem racial, sexista e de classe e contra as inúmeras relações hierárquicas que historicamente têm feito com que determinados grupos sociais possuam mais poder que outros. Isto porque essa distribuição desigual do poder é fundamental no processo de exploração por parte do capital.
Assim, as mulheres têm lutado contra práticas de opressão e de dominação existentes nas relações sociais, nas relações entre as pessoas não só no interior das instituições familiares, religiosas, educacionais e das organizações de luta, mas também nas estruturas de governos e, sobretudo, nas relações de produção.
Mulheres brancas, mulheres negras, mulheres indígenas, de todas as idades, que estão no campo ou nos centros urbanos, operárias ou não, têm resistido a todas as formas de exploração e dominação: a capitalista, a racista, a geracional, a exploração da cultura dos povos indígenas, e às relações autoritárias.
Ao longo da história mais recente temos muitos e ricos exemplos. As lutas das feministas socialistas, como Clara Zetkin e Alessandra Kollontai, contra a exploração dos capitalistas e também contra as relações de opressão na esfera domiciliar, defendendo o trabalho livremente associado e o amor livre. Elas organizaram as trabalhadoras para enfrentar as diversas formas de dominação através da luta política.
Mulheres como Nany na Jamaica, como Jacuba, Júlia, Dorothea, Una e Effa nas Guianas que enfrentaram os senhores de escravos, mulheres como Rosa Parks que se recusou a dar o seu lugar num ônibus a um homem apenas por este ser branco, iniciando nos Estados Unidos o Movimento dos Direitos Civis. Mulheres como Maria Felipa que lutou na guerra da independência na Bahia, mas não é lembrada no Dois de Julho. Mulheres que cotidianamente trazem na pele, no rosto, no cabelo, no sorriso a sua força e a certeza de que podem mudar essa situação.
Muitas mulheres têm resistido aos regimes ditatoriais como as “Madres de Plaza de Mayo”, que há décadas denunciam as práticas da ditadura, lutam pela verdade e pela justiça. Estas mulheres partiram de uma luta especifica (a luta por noticias dos seus filhos e pela punição dos agressores) e foram ampliando suas bandeiras, se posicionando contrárias ao pagamento da dívida externa e reivindicando a redistribuição da riqueza socialmente produzida.
Ao longo dos séculos, nós, mulheres, aprendemos a lutar contra as dominações perpetradas também pelas mulheres que representam os interesses dos grupos dominantes. Temos como exemplo deste enfrentamento a luta das mulheres indígenas mapuches chilenas que, em defesa das terras e das florestas, enfrentaram o poder de fogo da policia chilena, a mando de Michelle Bachelet.
No Brasil algo semelhante aconteceu. Comprometidas com a igualdade, autonomia e soberania popular, as mulheres camponesas cortaram eucaliptos e plantaram árvores nativas em seu lugar, enfrentando a ação violenta do agronegócio e da política de direita da governadora Yeda Crusius (PSDB). As educadoras do Pará, em lutas por melhorias salariais, também denunciaram a ação autoritária da governadora Ana Julia (PT).
Em São Paulo, no Rio de Janeiro, no Espírito Santo e na Bahia, muitas mães negras, em luto pela morte dos seus filhos e/ou marido, têm se engajado na luta, denunciando as execuções sumárias e a arbitrariedade do Estado, bem como a banalização do horror.
Cabe registrar ainda a participação das mulheres nas frentes de luta por moradia no Brasil, com destaque para São Paulo e Bahia, sobretudo as mulheres negras que chefiam as famílias.
Os muitos séculos de luta e resistência negra, indígena, feminista e popular no Brasil nos deixaram como legado grandes referências: lideranças como Pagu, e Ana Montenegro; grandes guerreiras negras, como Luiza Mahim, como Dandara, como Zeferina, lutadoras que organizaram levantes pela libertação do povo negro, assim como Tia Ciata, mãe de santo, cozinheira. Esta introduziu a dança de samba no Rio de Janeiro, promovendo sessões de samba em sua casa, na qualidade de Batalaô-omin, espaço considerado de resistência à cultura negra; mulheres como Cora Coralina que precisou vencer também a discriminação por idade; e mulheres indígenas, como Dona Maura, Tuira Kaiapó e Maninha Xucuru, grandes lutadoras e articuladoras da resistência indígena; mulheres ligadas às lutas por moradia, como Ninha, uma grande guerreira do MSTB, assassinada brutalmente pela polícia racista baiana.
Porque dar continuidade à resistência? Porque nós, mulheres, estamos hoje nas ruas? O que ainda nos causa revolta e indignação? O que nos mobiliza?
Apesar dos muitos séculos de lutas das mulheres a opressão-dominação- exploração capitalista- racista-patriarcal permanece. Os efeitos dessas práticas têm se expressado de muitas formas:
Pela exclusão dos espaços de poder, como cargos executivos e a exclusão dos espaços que tem como decorrência a elevação da consciência crítica e a autonomia. Aqui vale lembrar que já fomos proibidas de estudar, proibidas de votar, e que já fomos proibidas, durante muito tempo, de ter acesso ao trabalho profissional, ou ter que pedir autorização aos maridos. Vale lembrar que essa mesma sociedade que proibia algumas mulheres de terem uma profissão obrigava as mulheres negras e mestiças a trabalharem nas ruas como vendedoras de alimentos, lavando de ganho, vendedoras de peixes, costureiras, entre outros ofícios.
A exploração de gênero, étnica e racial segue se expressando no “mundo do trabalho”, entre outras formas, através da discriminação salarial - apesar da lei burguesa assegurar a igualdade entre os sexos, as raças e etnias, através da imposição de atividades produtivas ditas “femininas”, com conteúdo semelhante ao trabalho domestico, o que reforça a tradicional divisão sexual do trabalho, garantindo assim a sua manutenção. Além da violência através de práticas como o assédio sexual e moral.
As mulheres negras evidenciam como a nossa sociedade é perversa, como ela maltrata as suas filhas e filhos, como ela, mata crianças, adolescentes e jovens negros. Essa sociedade mata com a violência do aparelho repressor do Estado, mas mata também quando não pune estes agressores, mata quando as empurram para a marginalidade, mata quando não investe na saúde pública, quando deixa que as jovens morram em função dos abortos clandestinos por falta de atendimento médico e por pura hipocrisia dessa sociedade. Mata quando empurram as mulheres para as ocupações em prédios públicos abandonados onde os ratos são os nossos animais de estimação, onde moradia digna é piada. Esta sociedade mata as mulheres quando fecha os olhos à violência doméstica, nos mata quando riem por estas serem gordas, "velhas" e negras e impõe como único modelo de beleza, o branco e o jovem. Mata quando permite que a educação pública básica não atenda as necessidades do nosso povo.
No interior da família permanece a imposição do trabalho doméstico como uma função “naturalmente” feminina, o que garante ao capital, de forma gratuita, a reposição da “mercadoria força de trabalho” no mercado de trabalho, algo necessário para o funcionamento pleno do sistema; daí a imposição da maternidade como destino, e a imposição do casamento heterrossexual e monogâmico (só para as mulheres!). Observamos que a violência doméstica, seja ela física, psicológica e patrimonial contra as mulheres e o “femicídio” (o extermínio das mulheres) crescem assustadoramente. Importante destacarmos que também cresce assustadoramente a violência contra as mulheres idosas em suas formas diferenciadas, seja na exploração (com base na afetividade) por homens que as usam como forma de sua sobrevivência, seja nos assassinatos em sua grande maioria por filhos e netos.
As mulheres também vêm sendo violentadas por outras mulheres No Rio de Janeiro, por exemplo, a Prefeita de Magé Núbia Cozzolino, agindo de forma autoritária, mandou prender sindicalistas e profissionais da educação porque lutavam por direitos profissionais. O que mostra que não basta ser mulher para eliminar o autoritarismo e o machismo. Práticas de violência no contexto da luta política precisam ser combatida quando exercida por militantes considerados do campo da esquerda.
O controle das questões concernentes à maternidade e a sexualidade permanece sobre a intromissão dos homens: legisladores, padres e pastores, médicos e maridos.
Por tudo isso, seguimos firmes na resistência feminista, negra, indígena e popular. Enquanto existir opressores e oprimidos, dominadores e dominados, estaremos nas ruas lutando pelo socialismo e liberdade. Isto porque nesses séculos de luta nossa maior vitória foi aprender a sair do isolamento do lar e a ocupar as ruas, as praças, as universidades, e até a imprensa burguesa, para denunciar a dominação. Aprendemos a nos organizar e a transformar nossa dor em resistência e luta!
Ousando Lutar, Venceremos!




Governo Lula: Governo de “Todos”?

Por Zilmar Alverita da Silva[i]

A análise de alguns dados mais recentes referentes à situação das mulheres no Brasil nos faz questionar a propaganda do Governo Lula, que diz governar o país para “todos”. De maneira suposta, aí estariam incluídas as mulheres.
Os dados produzidos pelo próprio governo concernentes à violência e aos efeitos da crise econômica na vida das mulheres evidenciam uma situação bastante preocupante com a situação das mulheres.
No que diz respeito à violência observa-se que com a promulgação e divulgação da Lei Maria da Penha cresceu o numero de queixas de violência contra as mulheres em muitas regiões do país, o que significa crescimento da demanda nos serviços que atendem estas mulheres. Porem, ao invés de aumentar, estes serviços estão sendo reduzidos, ou estão sendo muito timidamente ampliados.
Dados existentes, produzidos, sobretudo através das Delegacias, e, portanto, sub-notificados, mostram que em 2004, em Porto Alegre, foram registradas 6.237 queixas e três anos depois estes números subiram para 11.430. Numa delegacia do Rio de Janeiro, a DEAM de Campo Grande, de um total de 3.063 denúncias semestrais, passou-se para 4.442 denúncias no semestre.
            Enquanto isso, o número de serviços está sendo reduzido. Em 2005, existiam 398 delegacias da mulher no país e, mais recentemente, segundo pesquisa realizada pelo Observatório da Lei Maria da Penha, existem 396 unidades, ou seja, duas a menos. Mas, a SPM insiste em afirmar, em seus mapeamentos, que existem 418 deams, contabilizando aquelas que não funcionam como é o caso de algumas do interior do Estado da Bahia.
            Alguns serviços de assistência às mulheres em situação de violência doméstica, como a casa abrigo e os centros de referencia, apresentam baixíssimo crescimento. Só para se ter uma idéia existia, em 2005, apenas 65 casas abrigos e, mapeamento realizado pela SPM, mostrou que de lá pra cá o número alterou insignificantemente. O número atual deste serviço no país subiu para 68. O mesmo ocorreu com os centros de referência: o registro é de que existiam 100 em funcionamento em 2005. E, os números mais recentes, apontam para a existência de 131.
            Essa situação se agrava seriamente quando a política econômica do Governo torna ainda mais incerta a permanência das mulheres no mundo do trabalho, ou torna sua inserção neste muito precária. Sobre este aspecto, vale mencionar o impacto da crise econômica no trabalho das mulheres. Aqui vale mencionar, mais uma vez, que estudo realizado pela SPM, Ipea, IBGE e OIT, aponta como principais conclusões:
            Uma interrupção da “feminização” do mercado de trabalho no Brasil metropolitano. Há redução nos postos ocupados (queda de 3,1% no nível de ocupação feminina, contra 1,6% dos homens) e aumento da inatividade feminina no período. E  que na indústria, as mulheres perderam mais postos: -8,38%, contra -4,81% dos homens. Além disso, as mulheres foram mais empregadas no comércio (88,8%) e nos serviços (78,3%), setores nos quais os salários de contratação das mulheres foram sempre inferiores aos dos homens no período analisado, ou seja, parece haver substituição de salários mais altos por mais baixos.
Longe de ser uma “marolinha”, a crise atingiu os homens e as mulheres da classe trabalhadora, mas, sobretudo estas. E seu desemprego significa mais do que um retorno à exclusividade do trabalho doméstico, um retorno a uma situação de maior dependência econômica com relação ao marido, o que e grave quando se vive num contexto de violência conjugal e, mais grave ainda, quando se vive num país como o Brasil, no qual não se tem, de forma ampliada, serviços de atendimento às crianças, como creches e escolas em tempo integral.
Esses dados retratam apenas algumas das conseqüências das escolhas políticas feitas pelo Governo Lula por dar continuidade às políticas neoliberais de FHC. O que, como vimos anteriormente, tem agravado ainda mais a situação de vulnerabilidade social das brasileiras, com expressivo aumento dos assassinatos de mulheres. E a impunidade permanece. Assim, longe de ser um governo “aliado das mulheres”, a política implementada pelo Governo Lula ao longo desses sete anos tem sido contraditória com os compromissos firmados formalmente, através das convenções internacionais e nacionais, e com as promessas feitas às mulheres nos contextos eleitorais.
Já no início do seu primeiro mandato, em 2003, suas ações já sinalizavam o que estava por vir: neste período foi criada a Secretaria Nacional de Políticas para as Mulheres, com “status” de ministério, o que significou, concretamente, pouco poder de implementação das políticas para as mulheres, seja pelo reduzido orçamento, seja pelo contingenciamento freqüente.
A promulgação da Lei Maria da Penha veio tardiamente, em agosto de 2006, no final do primeiro mandato e já em campanha pela reeleição. E veio com a notícia de um corte orçamentário no Programa de Combate a Violência contra as Mulheres. Com a crise econômica os contingenciamentos têm se intensificado. E as organizações feministas autônomas, que não são financiadas pelo Governo, vêm denunciando a falta de recursos para a efetiva implementação da Lei Maria da Penha e para a estruturação e fortalecimento da Rede de Atendimento às Mulheres.
Mas, a falta de compromisso do Governo Lula com as mulheres não para por aí. Após ter prometido, através de carta à CNBB, que seu Governo não contestaria os princípios católicos, Lula cumpriu suas promessas, firmando o Acordo entre Estado brasileiro e a Santa Sé. De natureza religiosa, o acordo representa um retrocesso porque fere, em muitos aspectos, o principio da laicidade do Estado. O pior é que este acordo aconteceu sem debate na sociedade, e, posteriormente, sem dialogar com as diversas posições religiosas existentes no país.
A postura frente ao Plano Nacional de Proteção à Liberdade Religiosa foi, mais uma vez, no sentido de beneficiar grupos religiosos hegemônicos. O plano – que prevê a legalização fundiária dos imóveis ocupados por terreiros de umbanda e candomblé e o tombamento de casas de culto – teve seu anúncio adiado em função das fortes pressões dos grupos católicos e protestantes. Neste contexto, o Governo argumentou que o plano “precisa ser pactuado”. Para não perder votos em suas bases cristãs, Dilma resolveu adiar o anúncio que seria feito no Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa. Trata-se de uma opção política por seguir beneficiando os grupos evangélicos que hoje contam com concessões públicas de rádio e televisão, que têm hospitais privados com o convênio com o SUS, e que, por isso, recebem verbas públicas; e grupos católicos que se apropriaram de terras públicas para construção das suas igrejas.
E frente às polêmicas em torno do III PNDH, o Governo recuou mais uma vez. Subserviente à hierarquia católica e de olho nas eleições, o governou cedeu, mais uma vez, às pressões políticas de grupos religiosos. Assim, usou o direito ao aborto como “moeda de troca”, desconsiderando os altos índices de mortes de mulheres em função da criminalização do aborto e as demandas colocadas pelas mulheres e aprovada na I e na II Conferencia Nacional de Políticas para as Mulheres (2004 e 2007). Neste aspecto, tendemos a concordar com as lideranças feministas do CFEMEA quanto questionam:

Enquanto Zapatero, o presidente espanhol, reconhece o terrível impacto da ilegalidade do aborto para a vida das mulheres e cumpre seu papel de estadista em garantir um direito, o presidente Lula anuncia que irá reverter a proposta de apoiar a descriminalização do aborto no III PNDH, porque a idéia de que as mulheres sejam autônomas para uma decisão como essa não é a visão de seu governo. Ora, podemos nos perguntar, às vésperas do centenário do dia de luta mais importante para as mulheres, o 8 de março, até quando nossa autonomia será vista como algo irrelevante?

Além de aprender com a experiência espanhola, o Governo Lula precisa aprender também com a experiência do Governo Evo Morales. Enquanto no Brasil tem continuidade a velha política de exclusão e de incentivo à perseguição às mulheres, o que observamos na Bolivia é outra história. O indígena Evo Morales dá uma lição a Lula da Silva, ensinando-o a governar com todos e todas, para todos e todas. Um dia após sua posse de segundo mandato, o presidente Evo formou um renovado Governo composto por dez mulheres e dez homens, e, com isso, pela primeira vez na história, a Bolívia terá, de fato, equidade de gênero.
Por tudo isso, avaliamos que quando o Governo Lula diz governar o país para “todos”, engana o povo e, sobretudo as mulheres. Na pratica, este governo do PT é apenas mais um governo voltado para a velha política, como tem sido o DEM (antigo PFL), o PSDB, o PMDB, entre outros. É mais um governo voltado para os interesses masculinos dos que compõem as classes dominantes brancas. Dos religiosos, que estão na hierarquia católica e protestante. Dos militares. De todos os capitalistas e latifundiários. De todos os banqueiros e do agronegócio.


[i] Militante feminista, dirigente do PSOL/Ba e atua na Frente contra a Criminalização das Mulheres e pela Legalização do Aborto.