quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

Carta à sociedade civil organizada sobre o PDDU

Desde o início de 2007, movimentos e organizações já vinham denunciando as intenções dos grupos privados, particularmente as grandes construtoras, de aprofundar a segregação social e racial na cidade, entendidas como condição para a realização de enormes lucros do setor imobiliário.
Este processo passou a ser mais sistemático e agressivo com a aprovação do novo PDDU, que atingiu principalmente as regiões das Orlas Marítima e Atlântica, Paralela e Centro Histórico. Tal Plano Diretor foi aprovado de forma atropelada e sem discussão na Câmara de Vereadores, visando garantir, dentro de uma lógica particularista, os interesses das grandes imobiliárias e de outros setores do poder econômico da cidade, em detrimento da qualidade de vida da população. Assim, foram autorizadas através deste Plano a devastação do que nos resta de mata atlântica na Paralela, a construção de espigões de 18 andares destruindo o Centro Histórico e comprometendo toda Orla. Tudo isso, em franco desrespeito à Constituição Federal, pois são todas áreas de Preservação Ambiental ou Cultural. São medidas que a médio e longo prazos trarão sérios impactos ambientais, geográficos e sociais para a cidade. Tais impactos já podem ser sentidos, por exemplo, com a expulsão das comunidades de baixa renda e majoritariamente negras, de bairros valorizados pelo capital imobiliário como Nordeste de Amaralina, Mussurunga, Calabar, Bairro da Paz, Boca do Rio, entre outros.

Entendemos que não podemos legitimar um suposto projeto de desenvolvimento que fragmenta a cidade em feudos privados, tornado-a uma espécie de zona liberada para que grandes empresários escolham as partes que serão pragmaticamente por eles utilizadas para auferir lucros, ao passo que relega ao completo abandono regiões como a Ilha de Maré que pela ausência de projetos de desenvolvimento sustentável, é vitimada por problemas como a carcinicultura e desconsidera os potenciais culturais e econômicos do incremento das relações com o Recôncavo. Tudo isso em detrimento da qualidade de vida de cidadãos e cidadãs, que sentirão na pele o aumento das já insuportáveis desigualdades sociais e raciais de Salvador. Assim, compreendemos que qualquer plano de desenvolvimento deve pautar um projeto urbanístico que garanta um transporte público e de qualidade, que ao mesmo tempo descongestione e integre toda cidade. Também não podemos pensar em um Plano de Desenvolvimento que não esteja focado na preservação ecológica e respeito aos espaços das religiões de matriz africana, que tanto tem contribuído para preservar as áreas verdes da cidade. Este projeto também deve buscar garantir a todas e todos o direito ao saneamento básico e a áreas de lazer e cultura, direitos hoje particularmente negados aos bairros periféricos. Por fim, qualquer projeto deve levar em consideração a necessidade da distribuição de renda, sem a qual será impossível dar passos no enfrentamento das desigualdades sociais e raciais já gritantes, em uma Salvador marcada pelo aumento da violência alimentada pela política de extermínio do Estado contra a população negra nos bairros periféricos e no sistema prisional.

O atual PDDU, além de não estabelecer avanços nesta perspectiva, apresenta 48 artigos que vão justamente na contramão de tudo que pode ser pautado como desenvolvimento regionalmente sustentável. Estes artigos contribuirão de maneira incisiva para o aumento das distâncias sociais e raciais da cidade, para a degradação do meio ambiente, agravamento dos congestionamentos, desordenamento da geografia e destruição do patrimônio histórico da cidade. Tudo isso para saciar a fome de lucros do setor imobiliário entre outros grandes grupos econômicos, cuja poderosa influência se faz presente na política local.

Por tudo isso, entendemos que urge a construção de uma grande campanha que seja capaz de garantir:

1- A revogação pela Câmara de Vereadores no PDDU dos 48 artigos já embargados pela Justiça Federal;
2- Uma forte cobrança aos órgãos responsáveis (Iphan, Ibama e Polícia Federal) por fazer valer a decisão judicial do embargo dos 48 artigos, paralisando as obras que o desrespeitem e evitando que outras se iniciem;

3- A aprovação de artigos de efeito concreto, que signifiquem conquistas populares, especialmente para o povo negro e empobrecido, nos campos da moradia, ocupação do solo, educação, saúde, transporte e meio ambiente.
Convidamos todos os parceiros e parceiras que queiram, individual ou coletivamente, participar desta movimentação. E que a inspiração ancestral nos nossos mais de 500 anos de resistência negra, indígena, feminina e popular, nos guiem para conquistas.

Assinado por:
Associação de Familiares e Amigos de Presos e Presas da Bahia (ASFAP) - Atitude Quilombola - Círculo Palmarino - Coletivo de Entidades Negras (CEN) - Instituto Búzios - Tribunal Popular.

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