terça-feira, 12 de maio de 2009

A linguagem, as coisas e seus nomes

Eduardo Galeano*

Na era vitoriana era proibido fazer menção às calças na presença de uma senhorita. Hoje em dia, não fica bem dizer certas coisas perante a opinião pública. O capitalismo exibe o nome artístico de economia de mercado. O imperialismo se chama globalização. As vítimas do imperialismo se chamam países em via de desenvolvimento, que é como chamar de meninos aos anões. O oportunismo se chama pragmatismo. A traição se chama realismo. Os pobres se chamam carentes, ou carenciados, ou pessoas de escassos recursos.

A expulsão dos meninos pobres do sistema educativo é conhecida pelo nome de deserção escolar; O direito do patrão de despedir sem indenização nem explicação se chama flexibilização laboral; A linguagem oficial reconhece os direitos das mulheres entre os direitos das minorias, como se a metade masculina da humanidade fosse a maioria; Em lugar de ditadura militar, se diz processo. As torturas são chamadas de constrangimentos ilegais ou também pressões físicas e psicológicas; Quando os ladrões são de boa família, não são ladrões, são cleoptomaníacos; O saque dos fundos públicos pelos políticos corruptos atende ao nome de enriquecimento ilícito; Chamam-se acidentes os crimes cometidos pelos motoristas de automóveis; Em vez de cego, se diz deficiente visual; Um negro é um homem de cor; Onde se diz longa e penosa enfermidade, deve-se ler câncer ou AIDS; Mal súbito significa infarto; Nunca se diz morte, mas desaparecimento físico; Tampouco são mortos os seres humanos aniquilados nas operações militares: os mortos em batalha são baixas e os civis, que nada têm a ver com o peixe e sempre pagam o pato, danos colaterais;

Em 1995, quando das explosões nucleares da França no Pacífico Sul, o embaixador francês na Nova Zelândia declarou: “Não gosto da palavra bomba. Não são bombas. São artefatos que explodem”; Chama-se Conviver alguns dos bandos assassinos da Colômbia, que agem sob proteção militar; Dignidade era o nome de um dos campos de concentração da ditadura chilena e Liberdade o maior presídio da ditadura uruguaia; Chama-se Paz e Justiça o grupo militar que, em 1997, matou pelas costas quarenta e cinco camponeses, quase todos mulheres e crianças, que rezavam numa igreja do povoado de Acteal, em Chiapas, no México.

*Do livro De pernas pro ar, editora L&PM

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